A Maçonaria de volta às Origens

14 de Maio de 2018

A MAÇONARIA DE VOLTA ÀS ORIGENS

 

José Maurício Guimarães

 

Quando as coisas parecem estar fora de controle, há três opções a tomar:               

a) não fazer nada;

b) fazer qualquer coisa (pois quem está perdido não caça caminho);

c) ou voltar às origens, consultar as raízes.

Prefiro sempre a terceira: VOLTAR ÀS ORIGENS, pois não são as coisas que ficam fora de controle: somos nós, ao afastarmos dos cânones (1) originais que perdemos o norte.

Então as “coisas” começam a “desacontecer”: na maçonaria, pouca ou nenhuma participação dos maçons nos projetos, sindicâncias mal feitas, instruções maçônicas pífias, rituais e segredos adulterados ou profanados, conflitos entre Potências, rupturas absurdas, brigas pelo poder nas Lojas, “profanos de avental”, panelinhas... e o mais recente pesadelo do século: as falsas maçonarias ‒ qualquer sujeito chega num cartório e registra uma nova “potência” ou um novo “supremo conselho”.

Quase caímos dos andaimes ao sabermos, mediante pesquisa recente, que menos de 5% dos maçons brasileiros sabe o que é a Maçonaria. Daí surge o aproveitador fingindo que “sabe”.

A continuar essa realidade, estamos mesmo perdidos.

De que adianta esse excesso de leis, códigos, juízes, deputados, delegados não previstos na Maçonaria original? Só para vigiar e punir maçons enquanto no mundo profano os falsários fazem o que bem entendem? Que valentia é essa que ostentamos apenas dentro de casa?

É preciso muita coragem para ser modesto. Quem está disposto a parar um momento e recuar um passo como fazem os combatentes das artes marciais? É preciso muita intrepidez e hombridade para agir como líder, tomar consciência de nossas próprias limitações e buscar aconselhamento na TRADIÇÃO.

As origens da Maçonaria devem ser inferidas dos cânones escritos nos séculos passados. Trata-se do exercício da inteligência mediante as ferramentas fornecidas pela Iniciação ‒ ferramentas metafísicas das quais os símbolos são pálidos reflexos.

O objetivo e âmbito desse artigo não me permite entrar em detalhes sobre as fontes escritas que constituem o cânone maçônico. Considero quatro os textos fundamentais aos quais deveríamos recorrer:

‒ a Carta de Bolonha ou “Statuta et Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamilis” de 1248; (2)

‒ o Poema Régio (“Regius Poem”), também denominado Manuscrito Halliwell de 1390;

‒ a Constituição de Anderson, de 1723. ‒ o mais moderno, composto por Albert Gallatin Mackey, conhecido como “Landmarks” da Maçonaria. (3)

Em nenhum desses testamentos aparece esse excesso de leis, códigos e punições que estamos acostumados a ver nos dias de hoje. A Maçonaria tornou-se mais punitiva do que educativa. Nosso precioso tempo é desperdiçado em dois momentos: primeiro, na comodidade de fazermos péssimas sindicâncias; segundo, na deformação de consertar o estrago através dos nossos tribunais e juízes (que muitas vezes também não sabem o que é Maçonaria).

Não vi em nenhum dos textos que constituem o cânone maçônico (me corrijam se eu estiver errado) esses tribunais, juízes ou deputados. Sejamos sinceros: essas adaptações não passam de “nostalgia das repúblicas antigas”. Quando Montesquieu foi iniciado na Taverna Horn de Westminster (1730), teve essa ideia fantástica: “vejo um Venerável, um Primeiro Vigilante e um Segundo Vigilante; bingo! são os três poderes: executivo, legislativo e judiciário!”

A moda pegou e floresceu na França. No Brasil, depois que Getúlio Vargas baniu todos os maçons do governo e mandou prender o último Presidente maçom, Washington Luís (1930), as carpideiras da maçonaria brasileira criaram uma república em separado, ou paralela, com todos os requintes do que haviam perdido do Palácio do Catete (4)

Que nos perdoe o Charles-Louis de Secondat, barão de La Brède, mais conhecido por Montesquieu: mas essa divisão tripartite republicana nunca existiu na Maçonaria antes dele. Os cargos e as pompas de judiciários e legislativos apenas inflacionaram as Potências com a concessão de prestígios e novos paramentos.

Na origem, quem julgava eram as Lojas, sendo que o “réu” poderia recorrer às Assembleias Gerais do povo maçônico, órgão judicante maior. Quem legislava era a “Common law” (direito comum) por meio das decisões das Assembleias Gerais, e não mediante atos legislativos. É o bom e velho Direito consuetudinário que emerge dos costumes da sociedade sem necessitar dos processos de criação de leis, poderes legislativos, emendas constitucionais, medidas provisórias etc. Quem estudou Direito e conhece a história da Inglaterra facilmente entenderá a diferença e por que a Maçonaria original (e autêntica) adotou aquele caminho.

Em se tratando de uma ORDEM INCIÁTICA (cujo objetivo é educar ‒ e por isso mesmo deve melhor escolher seus educandos, para não ser necessário posteriores “caça às bruxas”), os cânones que citei são bastante eficazes.

I ‒ A CARTA DE BOLONHA exibe uma lista de sessenta e um preceitos que prevê uma estrutura simples e uma disciplina sucinta.

O documento dispõe, entre outras questões, sobre os fundos da sociedade e os estatutos que os inspetores de contas estão obrigados a controlar e pronunciar na assembleia da sociedade.

A sociedade está obrigada a ter oito oficiais, assim como dois maceiros (oficiais que empunham o maço), um para cada ofício, repartidos entre os bairros e eleitos por listas na assembleia da sociedade.

Na ausência de regras estatutárias, serão impostas sanções segundo a vontade do conselho. Estatui a Carta de Bolonha que não se deve queixar dos oficiais na justiça profana (tribunais do reino e potestades).

O oficial que empunha o maço está obrigado a prestar contas aos averiguadores das contas (auditores) no prazo de um mês depois de entregar seu cargo; e que todas as escrituras e tudo o que tenha relação com os bens da sociedade, esse oficial está obrigado a entregá-las e por escrito na assembleia da sociedade ao oficial seguinte, “de maneira que os fundos da sociedade não possam de nenhuma maneira ser objeto de fraude”.

Se um maçom estiver enfermo os oficiais devem visitá-lo e dar-lhe conselho e audiência. E se falecer, que a sociedade o faça enterrar honrosamente.

No que diz respeito à boa educação, “ninguém deve se levantar para falar e dar opinião além do que for proposto pelo oficial que empunha o maço” e (...) “não se deve fazer ruído nem gritar quando alguém falar ou fizer uma proposição na assembleia (...) e, além disso, não se deve rir em uma assembleia da sociedade”.

II ‒ O POEMA RÉGIO institui a Maçonaria como “Estatutos da Arte da Geometria segundo Euclides” e inicia com o clamor e definição: “rezamos, por amor a nosso Senhor, para que nossos filhos façam belos e bons trabalhos para ganharem a vida, sem dificuldade, mas sim com honestidade e sem medo do dia de amanhã, (...) por meio desse honesto ofício que é a maçonaria, uma nobre assembleia de sábios”.

A estrutura é ainda mais simples: o primeiro artigo da geometria diz que “podemos confiar em um Mestre maçom pois ele é firme, sincero e verdadeiro”. O segundo artigo obriga todo Mestre maçom a comparecer às assembleias gerais. O terceiro estabelece que os Aprendizes devem ser preparados durante sete anos, duração que não pode ser inferior. O sétimo diz claramente que nenhum Mestre, por favor ou medo, deverá acolher vestir ou alimentar um ladrão, um assassino ou alguém com reputação duvidosa. O décimo ensina que nenhum maçom deve sobrepujar outro, mas construir em conjunto sob a direção do Mestre.

Anualmente uma assembleia seja realizada para verificar e corrigir os erros do ofício.

A ética é singela, mas rigorosa:

“Tome cuidado para não magoar ninguém mesmo que ele pareça disposto a magoar você. Não maltrate ninguém. Guarde seu sangue frio (...) fora do Templo, fique calado e observe. Evite rir ruidosamente e gritar como um libertino. Fale somente com seus pares. E não conte nada do que ouviu. Um maçom nunca trairá as decisões nem o que se faz na Loja, o que quer que tenha sido dito ou feito. Tudo o que se ouve na Loja, deve ser guardado para si mesmo e honradamente”.

Se surgir uma disputa, o Mestre deverá fixar uma data, para que os desafetos possam se explicar e tentar fazerem as pazes, cheguem a um acordo e que permaneçam sob a lei de Deus.

III ‒ A CONSTITUIÇÃO DE ANDERSON é britanicamente comedida e não se estende em firulas jurídicas. Por exemplo:

“Regulamentos Gerais, XII - A Grande Loja (entenda-se Assembleia Geral) consiste de, e é formada por Mestres e Vigilantes de todas as lojas registradas, com o Grão-Mestre à sua frente, e seu Adjunto (Deputy) à sua esquerda, e seus Grandes- Vigilantes em seus respectivos lugares.”

 

Da Conduta:

Os membros de uma Loja singular são os melhores juízes. Se qualquer queixa vier à tona, o Irmão considerado culpado deverá aceitar a sentença e determinação da Loja, a não ser que apele à Grande Loja, que é próprio e competente juiz de toda e qualquer controvérsia, a qual os Irmãos devem se dirigir”.

 

IV ‒ OS “LANDMARKS”, cuja compilação mais conhecida é a de Albert Mackey, são ainda mais breves (e obrigatórios ‒ "nolumus leges mutari"!!!, é pegar ou largar. Cito apenas os que dizem respeito à estrutura do poder:

Landmark 4: O governo da fraternidade é exercido por um oficial denominado Grão-Mestre; Landmark 5: É prerrogativa do Grão-Mestre presidir todas as assembleias do Ofício; Landmark 6: É prerrogativa do Grão-Mestre conceder licença para conferir graus em tempos de exceção; Landmark 7: É prerrogativa do Grão-Mestre autorizar a criação e manutenção das Lojas; Landmark 8: É prerrogativa do Grão-Mestre criar maçons por deliberação própria; Landmark 9: Os maçons devem se reunir necessariamente em Lojas;Landmark 10: O governo da fraternidade, quando congregada em Loja, é exercido por um Venerável e dois Vigilantes; Landmark 12: É direito de todo maçom estar representado em todos os encontros da Fraternidade; Landmark 13: É direito de todo maçom apelar das decisões de sua Loja, à Assembleia Geral dos Maçons; Landmark 14: É direito de todo maçom visitar e ter assento em toda Loja regular; Landmark 16: Nenhuma Loja pode intrometer-se nos assuntos de outra; Landmark 17: Todo maçom deve se submete às Leis e Regulamentos da jurisdição maçônica em que residir; Landmark 22: Todos os maçons são iguais não havendo distinção entre eles; Landmark 23: O segredo tem que ser mantido na instituição; Landmark 24: A Maçonaria funda uma ciência especulativa para fins de ensino religioso ou moral; Landmark 25: Esses Landmarks jamais poderão ser alterados.

Muitos poderão contra argumentar: “mas, se o Grão-Mestre, por acaso, se tornar um déspota, um tirano ou um estroina?”

Simples e elementar, meus caros watsons: A Assembleia Geral, ouvido o povo maçônico, sendo o órgão judicante maior, tem o poder de processar o incauto e afastá-lo do cargo se for o caso.

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NOTAS

(1) Cânones são as normas, princípios gerais dos quais deduzimos as regras particulares.

(2) Uma característica da Carta de Bolonha de 1248 é ela ter sido escrita na mesma cidade onde, 160 anos antes, surgiu a universidade mais antiga da Europa ‒ Università di Bologna ‒ sede de grandes personagens do humanismo, da ciência e do Direito. Esta é apenas uma das evidências de que a ciência maçônica não caminha dissociada da inteligência e do pensamento progressista.

(3) A Carta de Bolonha, o Poema Régio, a Constituição de Anderson e a compilação de Mackey sobre os Landmarks podem ser facilmente encontrados na internet, pelo que me dispenso de indicar os links. Existem ótimas traduções em português. É leitura obrigatória para quem quiser saber “o que é Maçonaria” e parar de sonhar com “sexo dos anjos”.

(4) Antiga sede do poder executivo brasileiro (de 1897 a 1960), localiza-se no bairro do Flamengo, Rio de Janeiro.

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